A violência e delinqüência em contextos urbanos constituem uma séria ameaça para a segurança e a convivência nas cidades latino-americanas. No caso colombiano, além dos índices de violência que implicam o conflito armado e o narcotráfico, a violência urbana e suas diversas manifestações hão emergido como uma grave problemática nas cidades do país, instalando-se no centro da agenda pública local. Este artigo apresenta o caso da cidade colombiana de Bogotá, um grande centro urbano. Bogotá como a capital da Colômbia e Medelim considerada a segunda cidade do país em virtude do desenvolvimento econômico e número de habitantes, onde o significativo incremento nos índices de violência fez com que o tema da segurança deixasse de ter um tratamento marginal comum e fragmentado, para se converter em uma problemática prioritária para as autoridades, razão pela qual ambas cidades têm sido cenário da formulação e execução de políticas públicas em matéria de segurança, baseadas em concepções amplas da mesma, ou seja, com medidas e estratégias provenientes da perspectiva da segurança cidadã, que tem desempenhado resultados satisfatórios. O objetivo desta resenha é uma abordagem crítica das políticas públicas e dos programas distritais desenvolvidos pelas prefeituras de Bogotá (Colômbia), entre 1995 e 2003 que possibilitaram a queda da criminalidade.
terça-feira, 8 de junho de 2010
INTRODUÇÃO
CARACTERIZAÇÃO GERAL DA COLÔMBIA
A identificação de várias Colômbias nos 1.138.914 quilômetros quadrados do país retrata uma população com grande sociodiversidade; em que a quase totalidade dos colombianos é constituída de eurameríndios, europeus ibéricos e eurafricanos. Uma pequena parcela é formada de ameríndios. A maioria da população é alfabetizada, um terço tem idade inferior a 15 anos e três quartos vivem em zonas urbanas.
Bogotá, a capital do país, é a cidade mais populosa, com 6 milhões de habitantes. As principais cidades além de Bogotá são; Medellín, Cali, Barranquilla, Cartagena, Bucaramanga, Manizales, Pereira, Cúcuta e Ibagué. Nessas cidades com o crescente êxodo rural formaram-se bairros periféricos sem infra-estrutura adequada às necessidades de seus moradores.
HISTÓRICO DO PAÍS
A Colômbia apresenta um caráter paradoxal tanto em seu histórico político como também como social. A estrutura social ainda apresenta traços do periodo colonial em que as autoridades espanholas estabeleceram um sistema social altamente estratificado, que permitia às pessoas com ascendência espanhola nascidas na Espanha e na colônia tivessem controles sobres as principais instituições, mestiços, mulatos, e negros permaneciam à margem da sociedade e os índios estavam praticamente fora dela.Essa estruturação social deixou seqüelas visíveis na sociedade colombiana atual
A disputa por terras no país confunde-se com o seu processo de colonização, e torna-se mais contundente nos início do século XX com registros da organização camponesa associada às lutas indígenas e dos povos afro-colombianos. Em 1926 foi promulgada Lei número 74 que reconheceu a função social da propriedade e autorizou o estado a expropriar latifúndios improdutivos.
Um período de conflitos de interesses entre camponeses e latifundiários foi acompanhado por leis que desagradavam a um dos grupos envolvidos, como a Lei número 100 que retardou a Lei número 200 que legitimava a reforma agrária no país.
A regulação por intermédio legal das propriedades permitiu que os camponeses tivessem maior representatividade e fortalecimento político, principalmente através da sua primeira organização nacional; a Federação Camponesa e Indígena fundada em outubro de 1547 na Confederação Camponesa e Indígena.
A Confederação Camponesa e Indígena foi vítima da violência presente no país. A maioria de seus dirigentes foi morta e a organização liquidada. Milhões de camponeses foram expulsos do campo e as suas terras deram espaço para plantações voltadas para o mercado externo. O ideal de reforma agrária foi sepultado definitivamente em 1962 com um pacto entre os partidos tradicionais e as associações de proprietários.
O controle das terras nas mãos de poucos, bem como o controle dos recursos tem estreita relação com os conflitos e as desigualdades sociais presentes no país.
A desigualdade na distribuição de renda é uma das causas da instabilidade que caracteriza a sociedade colombiana, país agro-exportador subordinado à perversa relação de preços internacionais: baixos para os produtos agrícolas e altos para os produtos industriais A Colômbia integra um grupo de países que em um contexto histórico-econômico denomina-se América Latina, inseridos no processo produtivo mundial com produtores primários, voltados aos interesses internacionais. Como nação independente o crescimento econômico colombiano continuou condicionado à aplicação de medidas que procuravam satisfazer às nações dominantes e à classe detentora do poder no país..
O processo de industrialização colombiano também se deu conforme os interesses de paises desenvolvidos, embora o café perdure como um dos maiores responsáveis pela pauta de exportações do país. As atividades econômicas desenvolvidas no país geram degradação de seus inúmeros recursos naturais afetando sensivelmente a biodiversidade em seus elementos da flora e fauna
O mesmo também ocorreu nos aspectos sócio-ambientais, pois as populações tradicionais e os descendentes de escravos africanos, presentes no país devido à monocultura do café, que utilizou a mão- de –obra escrava, também sofreram reveses que as induziram a um processo de perda da identidade, aliada a uma fuga em direção aos centros urbanos. A riqueza se concentra em cidades com bolos de pobreza alimentados por ondas sucessivas de migrantes rurais.
O século XX caracterizou-se como um período de maior transferência de populações das áreas rurais para as áreas urbanas. . A partir da década de 1970, o país passou a conviver com um extraordinário aumento na produção e exportação de entorpecentes. A formação de poderosas máfias da droga contribuiu para complicar a situação do país.
A Colômbia apresenta-se como palco de uma guerra interna que avança das áreas rurais para as áreas urbanas. Como conseqüência imediata desse conflito esse país concentra um grande contingente de refugiados urbanos.
Segundo O fenômeno da urbanização é, hoje, avassalador nos países do Terceiro Mundo. A população urbana dos países desenvolvidos (tomadas apenas às cidades com mais de vinte cinco mil habitantes) é multiplicada por 2,5 entre 1920 e 1980, enquanto nos países subdesenvolvidos o multiplicador se aproxima do 6.
O ÊXODO RURAL
O camponês da Colômbia tem contra si além do latifúndio, a guerra civil e o capital internacional que necessita da terra e não necessariamente de toda a mão de obra camponesa disponível; dessa forma a manutenção da guerra é importante para afastar o camponês de suas terras.
A fuga de famílias inteiras do campo para a cidade acontece em função dos históricos problemas agrários do país, do progressivo aumento das áreas de cultivos ilícitos e principalmente da presença de grupos armados em luta nos país.
Segundo a ONU os motivos que levam às pessoas a abandonarem tudo o que possuem na Colômbia são: ameaças em 34% dos casos, medo em 18%, assassinatos de parentes e amigos em 14%, enfrentamento armados constantes em 10% e massacres em 9% sendo que este último fato é o que tem mais crescido em representatividade.
A população expulsa do campo dirige-se para as cidades procurando inserir-se no mercado de trabalho, fugindo da pobreza e dos conflitos armados do país.
Mais de 3 milhões e 600 mil colombianos foram vítimas do deslocamento forçado por causa da violência. O número de pessoas que são obrigadas a deixar o campo e teve um crescimento que atingiu o seu ápice em 2002 final do governo de Andrés Pastrana com um seguido movimento de queda, como se pode ver no gráfico abaixo:
Segundo essa mesma fonte 30% desse total tem sido deslocada durante os últimos anos três anos e meio. Desse total quase metade têm menos de 18 anos, 46, % são menores de 15 anos. A Unicef e a Codhes estimam que entre os anos de 1985 e 2002 cerca de um milhão e 750 mil meninos e meninas tiveram que fugir de seus locais de origem. No ano de 2005, foram deslocadas, no total, 310mil pessoas no país, comprometendo 750 municípios como agentes de expulsão e 950 como receptadores da população expulsa, conforme informações fornecidas pela Rede e Solidariedade Social 90% dos expulsos são de origem rural ou semi-rural e um terço tinha ou tem terras no seu local de origem; 50% vem se instalar nos cinturões de miséria das grandes cidades; 9,2% correspondem a comunidades afro-colombianas, e 3,4% a comunidades indígenas
COLÔMBIA: O MUNDO URBANO
A migração rural-urbana foi o fator principal para o aumento da população urbana. O crescimento urbano do país concentra-se principalmente nas cidades de Barranquilla, Cali, Medellín e Bogotá, áreas metropolitanas com mais de 500.000 habitantes em 1951.
A população urbana cresceu em função dos movimentos migratórios. O êxodo rural na América Latina deve-se em grande parte ao desequilíbrio econômico entre o campo e a cidade, principalmente após a 2ª guerra com o investimento no setor industrial e a baixa produção agrícola.
A Colômbia apresentou uma das mais elevadas taxas de urbanização da América Latina. A proporção da população vivendo em áreas urbanas aumentou de 31% para cerca de 60% entre 1938 e 1973.
Os centros urbanos colombianos, apesar de funcionarem como áreas de atração de contingentes populacionais rurais não apresentam condições de absorver a grande maioria desses refugiados.
Na teoria o termo refugiado é utilizado para identificar a quem se encontra fora do país onde nasceu, devido a temores concretos de ser perseguido por motivos de raça, religião, nacionalidade, por pertencer a um determinado grupo social ou por suas opiniões políticas. Contudo na Colômbia as pessoas são refugiadas por fugirem da violência e morte. Antes de tentar asilo em outro país, as pessoas buscam uma alternativa interna e se mudam para outro estado ou para uma cidade mais distante onde imaginam estar livres da guerra. São os desplazados, ou sem teto, deslocados.
As pessoas que se declaram deslocadas ou sem teto recebem ajuda emergencial do governo por um período de três meses, prorrogada por mais três meses, passado esse período não existe neuma política de integração econômica e social dos desplazados. Longe das grandes cidades onde se tem acesso limitado aos serviços de saúde, educação e moradia as mulheres e as crianzas sem teto são vulneráveis à violencia doméstica, ao abuso e a exploração sexual. As autoridades locais pressionam os desplazados para que retornem a seu lugar de origem mesmo quando as condições de segurança são precárias.
A população urbana que em 1965 compunha-se de 53% do total, em um processo crescente encontra-se em ascensão, somando em 2001 76% da população (4).
Um elemento chave para se compreender a escala do crescimento urbano da Colômbia é analisar a sua expansão; em dados de 2000 o país tem cerca de trinta e três milhões de habitantes, ocupa o terceiro lugar na América Latina com um crescimento inusitado, há dez anos Bogotá que no início do século chegava a 100 mil habitantes, período em que o país inteiro não ultrapassava os três milhões, atingiu os cinco milhões. Em Medellín a população supera os três milhões e meio, Cali supera dois milhões. A população rural era até meados do século 20 cerca de 75% do total do país, hoje é de menos que 32%.
Essa é fisionomia urbana da Colômbia, país urbano, multipolar com desenvolvimento regional espacialmente melhor dividido que seus vizinhos. Dentro desse quadro ainda existe a grande diversidade do país, em função das variadas regiões cada uma delas é como se fosse um país distinto com seus aspectos econômicos e sociais específicos.
A urbanização cada vez maior do país não está estruturada para atender à demanda da sua população. A presença crescente da população rural e a insuficiência de empregos nos setores secundários e terciários somados ao empobrecimento de grande parcela de seus habitantes, que empurrados para o subemprego e sem condições, aumentam os índices: de violência e mendicância. As favelas e as áreas periféricas sem as condições necessárias de saneamento básico recebem a maior parte dessas pessoas.
As áreas urbanas da Colômbia como demais países da América Latina despertam desejos e necessidades que não existiam no mundo rural, a primeira geração de refugiados de uma família tem consigo as características do viver no campo, contudo as gerações seguintes , nascidas nos centros urbanos, perdem o contato e a sincronicidade com o rural e identificados com o viver urbano buscam seu espaço nesse lugar, espaço esse que não os inclui, em nenhum nível. O refugiado urbano e seus descendentes vivem à margem do mundo urbano.
O cenário político colombiano é o palco ideal para o agravamento das causas da violência urbana: o “inchaço” das grandes e médias cidades, pobreza, crescente exclusão escolar e profissional, facilidade em adquirir armas de fogo e a presença de forças em confronto.
Um outro agravante deste quadro de violência é a crise humanitária que assola o país, onde os direitos humanos são constantemente desrespeitados.
O conflito armado do país desenrola-se principalmente no campo, contudo a população dos centros urbanos também é refém da violência generalizada que toma conta do país.
O presente quadro de violência dá condições para que a maioria da população acredite que a segurança seja a sua solução. E este é o argumento utilizado pelo governo para arma-se cada vez mais e envolver a população civil na guerra do país.
Em cidades como Bogotá e Medellín os níveis de pobreza atingem grandes patamares e as taxas de homicídio ainda são altas, apontadas como as cidades mais violentas do mundo têm buscado na inclusão do cidadão com particular atenção á educação e comprometimento do cidadão diminuírem as altas taxas pobreza, e homicídios e também prevenir a criminalidade.
Na verdade, as questões presentes tanto no campo quanto na cidade estão relacionadas. O país vive uma situação de guerra que se manifesta de várias formas, na política, na economia, na educação e nos direitos do cidadão. A violência faz parte de situações do cotidiano de forma banalizada, talvez uma das formas de reverter o atual quadro do país seja analisar e combater a sua origem.
A COLÔMBIA SUPERA A VIOLÊNCIA URBANA
e como combater à criminalidade. Níveis de pobreza ainda são altos, mas essas cidades conseguiram reduzir suas taxas de homicídio em 79% e 90%, respectivamente.
Apontadas como as cidades mais violentas do mundo, Bogotá e Medellín, na
Colômbia, estão se transformando nos mais avançados laboratórios do mundo deprevenção à criminalidade e, em especial, aos homicídios. Apesar de ainda manterem altos níveis de pobreza – cerca de 40% da população, semelhante às metrópoles brasileiras — essas duas cidades conseguiram reduzir, respectivamente, suas taxas de homicídio em 79% e 90%.
São exemplos que poderiam muito bem ser adotados – ou adaptados — pelas
grandes e violentas cidades brasileiras, como São Paulo e Rio de Janeiro, onde, como na Colômbia no passado, se dissemina o crime organizado.
O que resta de violência nestas cidades colombianas continua ainda alto para
padrões civilizados, mas são passos notáveis para comunidades em que se misturam e, muitas vezes, se indiferenciam narcotraficantes, paramilitares, guerrilheiros e quadrilhas de jovens, beneficiados por décadas de impunidade.
Mas vamos ao que nos interessa neste comentário: como a Colômbia começou a derrotar o narcotráfico e a violência nas cidades?
AÇÕES SOCIAIS E URBANISTICAS NA COLOMBIA
Em segundo lugar, Uribe modernizou o paquidérmico Exército colombiano, criando uma unidade de alta eficiência, constituída por soldados profissionais, a denominada FUDRA (Fuerza de Despliegue Rápido), dotada de helicópteros de assalto de última geração e de armamento moderno. Inicialmente eram quatro mil soldados; hoje, essa unidade conta com aproximadamente quinze mil homens. Com esse instrumento de combate, o governo nacional começou a ganhar a guerra contra os rebeldes, obrigando-os a se sentarem à mesa de negociação. De outro lado, foi criada uma outra unidade especializada na luta antinarcóticos, e que trabalha em conjunto com a polícia nacional. A discussão sobre se as Forças Armadas devem entrar ou não na luta contra os traficantes foi solucionada de forma pragmática: quando os governadores ou prefeitos acharem que é necessário intervir, a brigada antinarcóticos do exército entra em cena. De outro lado, presídios de segurança máxima foram criados, e neles efetivamente não entram celulares, e os criminosos são rigorosamente mantidos em total isolamento. Paralelamente, um tratado foi assinado com os Estados Unidos para extraditar meliantes que tenham exportado cocaína para o país do norte. Os chefões do tráfico e alguns peixes gordos da guerrilha estão já cumprindo penas em presídios federais americanos. Sujeitos como Fernandinho Beira-Mar ou Marcola, se fossem colombianos, estariam há muito tempo fora do país.
Em terceiro lugar, o governo central criou amplo programa de erradicação da pobreza, denominado “Juntos”, e inspirado no nosso projeto “Bolsa-Escola”, com a finalidade de que as famílias mais pobres do país (que chegam a um milhão e quinhentas mil) possam realmente sair do estado de penúria e comecem a progredir econômica e socialmente. Não se trata de programa puramente assistencialista; cada família contemplada compromete-se a trabalhar com um co-gestor social do governo (sendo que cada agente atende a um grupo de 100 famílias), a fim de melhor aproveitar os programas nacionais, regionais e municipais de saúde, nutrição, educação, moradia e trabalho. Os co-gestores fazem um seguimento mensal dos beneficiários, sendo que os dados deles estão cadastrados eletronicamente na Agência Presidencial para a Ação Social; cada co-gestor possui um palm em rede com a Agência. A função do co-gestor consiste em verificar se os cadastrados conseguem preencher 54 metas básicas, nos seguintes itens: identificação dos membros da família, educação dos filhos, assistência do responsável a algum programa de preparação para o trabalho, poupança, cuidados com a saúde (mediante a observação das datas de vacinação dos filhos menores e dos idosos), cuidados com a nutrição, cuidados com a moradia e cuidados com a justiça (no sentido de colaborar com as autoridades no bairro e evitar a participação dos membros da família em grupos de delinqüentes), e fortalecimento das relações familiares. Quem durante três meses seguidos não atingir o índice mínimo requerido na realização dos objetivos fixados sai do programa. Este tem, para cada família cadastrada, uma duração máxima de cinco anos. Os resultados obtidos são muito positivos e respondem, em boa medida, pela diminuição acelerada dos índices de pobreza e de violência, que caíram dramaticamente nos últimos anos. Tudo isso evitando o vício do assistencialismo, que termina fazendo mergulhar o pobre na dependência estatal, como está acontecendo no Brasil atualmente.
Em quarto lugar, os cidadãos das principais urbes colombianas acordaram para os seus deveres comunitários, criando, por iniciativa própria, os movimentos “Como Vamos”, a fim de fazer um levantamento, em cada cidade, dos principais problemas em matéria de segurança, saúde, educação, moradia e transporte coletivo. O movimento cívico “Bogotá Como Vamos”, do qual participam o principal jornal da cidade, a Câmara de Comércio de Bogotá, entidades comunitárias e professores universitários, foi criado em 1998 e é responsável pelo fato de os últimos três prefeitos terem mantido uma continuidade nos programas sociais e na formulação de políticas públicas. O movimento publica mensalmente, no jornal de maior circulação da cidade, El Tiempo, em linguagem compreensível para o cidadão comum, um balanço de como vai a administração municipal nos itens atrás mencionados. Converteu-se, assim, numa espécie de olheiro dos cidadãos e tem influído determinantemente nas decisões dos eleitores na hora de eleger o alcaide (prefeito). Algo semelhante ocorre em Medellín e em Cartagena de Índias, sendo que os movimentos “Como Vamos” têm-se espalhado pelo país afora. Trata-se, certamente, de uma nova forma muito criativa de efetivar a “democracia participativa”.
Em quinto lugar, os prefeitos tornaram-se atuantes, a serviço das suas comunidades, nas cidades onde se instalou esse movimento cívico. Assisti, em Bogotá, a entrevistas com os dois ex-prefeitos que deram uma reviravolta, ao longo dos últimos dez anos, na administração da capital colombiana: Antanas Mockus e Enrique Peñalosa, ambos jovens administradores (o primeiro, professor universitário, o segundo, profissional liberal), ambos desvinculados dos partidos tradicionais. Para os dois ex-prefeitos (sendo hoje Peñalosa o candidato mais cotado nas próximas eleições de fim de ano), constituiu ponto central dos seus programas de governo tornar presente o Poder Municipal naqueles bairros da cidade em que a polícia não entrava. Vale a pena lembrar que, pela legislação atualmente vigente na Colômbia, o prefeito da cidade é o chefe da polícia, devendo o respectivo comando tomar as suas decisões de acordo com as prioridades fixadas pela alcaldía (prefeitura). Foram escolhidos os lugares mais problemáticos: os redutos de “El Cartucho” (bairro miserável do centro de Bogotá, que estava em poder das FARC), San Victorino (tradicional área de prostituição, vizinha do centro da capital, dominada pelos narcotraficantes) e El Tintal (conjunto de favelas que exploravam o aterro sanitário). Polícia e Exército tiveram de entrar pela força nos dois primeiros redutos que estavam em poder do crime organizado. Uma vez expulsos os meliantes e presos os seus dirigentes, o Poder Municipal entrou com obras de impacto social; foram construídos (num prazo recorde de 120 dias), em “El Cartucho” e em San Victorino, belos centros de lazer para as comunidades carentes do centro da cidade.
Em El Tintal, que era a pior favela da cidade, foi construída uma luxuosíssima biblioteca comunitária, que passou a oferecer à outrora comunidade marginalizada de catadores de lixo oportunidades de lazer e de cultura que jamais tinham suspeitado, com brinquedoteca para as crianças, amplas salas de leitura e ciber-cafés dotados de terminais de Internet banda larga, onde os jovens fazem os seus deveres escolares e procuram oportunidades de emprego. Numa manhã de domingo visitei esse belíssimo lugar, conversei com mães de família e crianças e fiquei impressionado com o orgulho que todos demonstravam com esse espaço pertencente à comunidade. Essas obras de impacto, aliadas a outras iniciativas, notadamente na área do melhoramento dos transportes públicos, fizeram com que os bogotanos se sentissem mais donos da sua cidade e passassem a se identificar com os demais projetos sociais do Poder Municipal. Apenas para mencionar, cito um desses projetos: o “Bogotá sem carros”. Uma vez por mês, todo mundo, num final de semana, deixa os seus carros em casa e sai de bicicleta ou usando os transportes coletivos. Isso produziu, nos cidadãos das diversas classes sociais, uma sensação de ocupação democrática do espaço urbano e de convívio com as mais variadas pessoas. A cidade, diga-se de passagem, é uma das mais bem policiadas da América Latina, gerando assim uma sensação de segurança que começa a ser reconhecida internacionalmente.
Em Medellín, foram escolhidos, de entrada, três lugares altamente problemáticos: 1) A denominada “Comuna 13”, um conjunto de bairros de classe média e popular que tinha sido invadido pelas FARC e pelas “Autodefesas Unidas da Colômbia”, os paramilitares. Exército e Polícia travaram uma batalha dura, casa por casa, mas ao cabo de duas semanas foram presos os líderes das facções ou mortos em combate os que opuseram resistência. Imediatamente a área foi reurbanizada, tendo sido construída, na parte central da Comuna, uma impressionante biblioteca pública, rodeada por um conjunto esportivo, o denominado “complexo cultural-desportivo de San Javier”, que atende a mais de cinco mil pessoas nos finais de semana. 2) O segundo lugar que sofreu intervenção foi o arrabalde denominado “La curva del bosque”, área imensa vizinha do campus da Universidade de Antioquia, a maior instituição pública de ensino superior do Departamento (Estado). Nessa região tinha se consolidado uma perigosa zona de prostituição e de banditismo, onde eram desovados os cadáveres das guerras entre as gangues de narcotraficantes (que nos anos 80 chegavam a mais de trezentas). Foi construído ali um belíssimo Jardim Botânico, servido por estação do metrô e que, em parceria com as instituições de ensino médio, oferece aos alunos campo aberto para as suas pesquisas, sob orientação de engenheiros agrônomos e biólogos da prefeitura. 3). O terceiro lugar que recebeu a presença do Poder Municipal foi a Comuna de Santo Domingo, um conjunto de favelas equivalente ao Complexo do Alemão no Rio de Janeiro, onde residem aproximadamente 180 mil pessoas, muitas delas refugiadas de guerra. Foi construído um bondinho que vai do alto da serra à estação do metrô, a fim de integrar os habitantes da Comuna ao mercado de trabalho da cidade. Na parte superior da favela, a mais deteriorada, foi construída, com apoio do governo espanhol, uma impressionante obra que abriga o complexo cultural do bairro, que abarca biblioteca, sala de Internet com terminais de banda larga, brinquedoteca para as crianças, salas de leitura, lanchonetes, etc. Os habitantes do bairro consideram que agora, sim, foram levados em consideração pelo governo local. Para estimular a organização de pequenas empresas, a prefeitura, em coordenação com a iniciativa privada, criou um sistema de bancos populares, espalhados pelas várias seções do conglomerado urbano, o denominado Mega-Banco, que oferece aos moradores empréstimos a baixo custo (com juros de apenas 11% ao ano). E como pérola da obra interventora, foram construídos vários complexos educacionais, a fim de garantir às crianças e jovens desses bairros educação básica de qualidade. Fiquei impressionado com o luxo e a comodidade das instalações, bem como com a alegria das crianças e adolescentes na saída das aulas e a boa aparência de todas elas, impecavelmente uniformizadas.